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Juiz aponta erros no combate à criminalidade no Brasil

O juiz Consuelo Silveira Neto, titular da 1ª Vara Criminal e de Execução Penal da comarca de Caratinga, em entrevista ao jornal A Semana, discorreu sobre os objetivos do cumprimento da pena imposta aos condenados pela Justiça e os princípios que orientam o processo. Também falou sobre a unidade da Associação de Amparo e Proteção ao Condenado (Apac) de Caratinga. Pela importância dos temas, dividimos a entrevista em duas partes, nesta semana, estaremos enfocando o processo de execução das penas e os erros cometidos no combate à criminalidade.

O magistrado considera importante realçar que a pena possui três finalidades: retributiva, preventiva e reeducativa. Retribuir: punir a pessoa que comete o delito; prevenir: desencorajar o cometimento de novos crimes; reeducar: ressocializar, permitindo que o condenado possa retornar ao convívio social para desenvolver atividades lícitas. “O artigo 59 do Código Penal preceitua que a pena será estabelecida ‘conforme seja necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime’, e a Lei de Execuções Penais, em seu artigo 1°, aduz que a execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”.

Como lembra Consuelo Neto, “todo aquele que cumpre pena privativa de liberdade um dia retornará ao convívio social e, diante deste contexto, é preciso refletir sobre a forma de reinserção do condenado à sociedade”.
Os dados sobre o grau de instrução dos privados de liberdade e o ensino nas unidades prisionais é um bom indicador para avaliarmos a questão, ressalta o juiz. “Segundo os últimos dados divulgados, cerca de 8% dos presos são analfabetos, 70% não chegaram a concluir o ensino fundamental e 92% não concluíram o ensino médio. Não chega a 1% os que ingressam ou tenham um diploma do ensino superior. Por outro lado, nem 13% deles têm acesso a atividades educativas nas prisões. Os números apontam que o Poder Público dá ênfase ao aprisionamento em detrimento ao cumprimento do disposto na nossa legislação, que estabelece a necessidade, além de punir, de proporcionar condições ao condenado de reintegrar à sociedade”.

Ele cita como exemplo a construção do Presídio de Caratinga. “Sem dúvidas foi um avanço significativo na melhoria das condições para o cumprimento de pena, em comparação com à antiga Cadeia Pública. Mas, ele foi inaugurado sem uma sala de aula e sem qualquer estrutura física para oficinas de trabalho. É importante informar que atualmente a referida unidade prisional já conta com oficinas de trabalho e uma sala de aula (alfabetização) graças ao esforço da direção do presídio, com o apoio da Vara de Execuções Penais, do Ministério Público, da Defensoria Pública e da comunidade de Caratinga e região. Contudo, ainda não consegue atender nem a metade dos condenados”.

De acordo com o magistrado, os debates travados na sociedade civil organizada e, também, nas casas legislativas, pouco se tem falado sobre a necessidade da ressocialização. “Há ênfase para a visão retributiva da pena, através do aumento das penas, a inviabilização da progressão de regime e das saídas temporárias. Segundo Luis Flávio Gomes, no livro ‘Beccaria (250 anos) E o drama do castigo penal: civilização ou barbárie?’, o legislador brasileiro já reformou nossas leis penais 150 vezes, de 1940 a 2013, das quais 72% com mais rigor”.

Com base no fato da superlotação das prisões brasileiras – 700 mil presos para 450 mil vagas – o juiz Consuelo Neto propõe uma reflexão. “É fácil constatar que o aumento das penas e a criação de regras mais rígidas para progressão farão com que o condenado passe mais tempo encarcerado, aumentando o número de presos em cada unidade prisional. Atualmente cada preso custa ao Poder Público, em média, R$ 3 mil por mês. Por outro lado, para solucionar o problema da superpopulação encarcerada, o Estado precisa construir novos presídios. Estimativas apontam a necessidade de investir R$ 10 bilhões para solucionar o problema. Poderíamos pensar na possibilidade de todos os presos trabalharem, para contribuir com mencionadas despesas, mas quais unidades prisionais hoje tem condições de ofertar trabalho e estudo? O Estado novamente terá que investir na construção de oficinas de trabalho e em escolas nas prisões ao custo de bilhões de reais”.

Ele citou os frutos das condições precárias das prisões do País, que necessitam urgentemente de grande investimento público. “Vale mencionar que da precariedade das nossas prisões é que surgem as facções criminosas, como o PCC e o Comando Vermelho, entre outras. O PCC nasceu em razão das más condições do sistema penitenciário e que deixou de ser uma gangue de presídio para se tornar uma organização criminosa. O PCC começou em 1993, no presídio de Taubaté, interior de São Paulo, em resposta às péssimas condições do sistema penitenciário paulista e aos excessos de violência praticados pelas forças de segurança contra detentos. Segundo o noticiário, hoje, o PCC pratica o gregarismo nas unidades prisionais doando alimentos e produtos de higiene pessoal para os presos, bem como prestando assistência jurídica. Na verdade, o PCC ocupa um papel que deveria ser do Estado”.

Como destaca Consuelo, estudos mais recentes confirmam que o combate à criminalidade passa necessariamente por políticas de prevenção e ressocialização dos condenados. “Como mostrei anteriormente, 78% das pessoas encarceradas não possuem o ensino fundamental e talvez, na mesma proporção, não possuem formação profissional. Quem ingressa nas prisões não tem estudo e nem profissão. De nada adianta as polícias trabalharem de forma eficaz, como já fazem, o Ministério Público denunciar os criminosos e o Poder Judiciário julgar os casos aplicando as penas aos condenados, sempre respeitando os ditames da Constituição e das leis brasileiras, se o Poder Executivo não adotar políticas para evitar o crime e promover a ressocialização dos apenados. Sem que todas essas ‘engrenagens’ funcionem, nunca teremos a diminuição da criminalidade e a melhoria da sensação de segurança”.

Ele prossegue no tema. “De nada adiantará um condenado permanecer encarcerado dez, quinze anos e sair da prisão ‘escolado no crime’, em vez de ter concluído os estudos e um curso profissionalizante. Inevitavelmente, ele retornará para a criminalidade. A taxa de reincidência de crimes no Brasil, ou seja, a prática de um novo crime por pessoa já condenada, é altíssima”.

Ele conclui reforçando a forma que considera correta para a redução da criminalidade. “Se quisermos, verdadeiramente, combater a criminalidade precisamos nos ancorar nas premissas de que é necessário o investimento na prevenção, através de políticas públicas para as regiões de maior vulnerabilidade social e, portanto, mais propícias ao envolvimento de pessoas com a criminalidade; melhoria das condições de trabalho das polícias; rapidez no julgamento dos crimes e investimento na reforma e ampliação das unidades prisionais, para propiciarmos condições de ressocialização, e evitando a reincidência. Qualquer discurso de combate à criminalidade que não aborde tais questões é vazio e sem significado. As falas que pregam, tão somente, o incremento das penas soam bem aos ouvidos porque nos tocam o sentimento, mas é desprovido de racionalidade. Vivemos em um círculo vicioso!”.





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