AGNALDO TIMÓTEO, A VOZ
Mauro Bomfim
Aquele menino nascido em Caratinga, lá nos idos de 1936, no humilde lar de José Timóteo e Dona Catarina, estava predestinado para voar alto. Mas Agnaldo Timóteo superou a aventura humana na terra. Tal como um condor, uma ave impressionante que pode voar até 300 quilômetros por dia e mais de 160 quilômetros sem bater as asas, Agnaldo conseguiu alcançar as culminâncias da carreira musical, igualando-se tanto na fama, quanto na força vocal, aos seus ídolos Cauby Peixoto e Ângela Maria, de quem foi motorista no Rio.
Algum dia ele voltou à sua terra para encontrar as mesmas coisas que deixou. Mas ainda não já não mais corria como criança nos verdes campos do lugar. Já era o condor da Música Popular Brasileira alcançando campos verdes abertos, mas não ao rés do chão como o menino de Caratinga, mas como ídolo musical de voos alcandorados com uma elevação de cinco mil metros, chegando ao topo da carreira e do sucesso, com um ídolo popular, um ídolo das massas, que manteve sempre acesa a chama da música romântica, rotulada de cafona nos 70 e de brega nos anos 80.
Mas foram tantas e muitas vezes suas idas e vindas a Caratinga, a terra em que nasceu e da qual se tornou o principal embaixador. De cada dez palavras ditas pelo Agnaldo loquaz e polêmico, nos programas famosos da televisão, no mínimo, como se diz no vezo popular, onze era Caratinga, a sua amada terra, a terra das palmeiras e da pedra Itaúna.
Imaginava talvez Agnaldo, com seu jeito bruto e uma língua ferina e demolidora, mas de um contraditório coração imenso e carinhoso, que sempre ao chegar a Caratinga dele se diria como nos versos do poeta Olavo Bilac “Ama, com fé e orgulho, a terra em que nasceste!”.
Mas a Pequena Pátria de Caratinga era tímida para conter os diques que se arrebentaram na voz potente que se revelou com a força das catataras do Iguaçu e deixaram mornas e sonolentas as águas do pequeno Rio Caratinga. Ai, a voz do barítono mais possante que já ouvi, às vezes de baixo cantante, atingindo subtons que somente Al Jarreau conseguiria, conquistou naturalmente a Grande Pátria, o mundo do estrelado, a metrópole, dilatou fronteiras continentais.
Capaz de cantar com perfeição uma tarantela italiana ou um bolero latino-americano em um espanhol escandido pela sua dicção rara de pássaro canoro que se veste das asas do condor para alcançar os altiplanos da Música Popular Brasileira e aí volto na última estrofe de Bilac no poema “A Pátria”: “imita na grandeza a terra em que nasceste”.
Mesclando, às vezes, o tom abaritonado da voz, com seu baixo grave e o impacto emocionante das evoluções de tenor, não é exagero comparar Agnaldo Timóteo ao Sinatra Brasileiro. “My Way”, Agnaldo sempre tirou de letra. Mas quando, revendo o show comemorativo dos 50 anos de sua carreira musical, ao ouvi-lo cantar “All the Way”, de Jimmy Van Heusen e celebrizada por Sinatra, é de rigor constatar a estupenda qualidade vocal de Agnaldo Timóteo.
Não poderia deixar, tendo morado durante 12 anos em Governador Valadares, algumas saborosas histórias do Agnaldo no trajeto da Rio Bahia.
Foi torneiro mecânico em Valadares, aos 17 anos, trabalhando na HP Motor, onde conheceu seu amigo Francisco Oliveira e Silva, o “Chico Duro”, em 1953 e a partir daí se tornaram inseparáveis, Fizeram peripécias em Valadares: Agnaldo jogando como lateral esquerdo no campo do Cruzeirinho, time amador da cidade. Chico Duro se
tornou um craque do Esporte Clube Democrata, equipe profissional, mas Agnaldo só aprontava confusão. Ali começou a cantar no programa “Domingo é dia de folga”, apresentado pelo famoso radialista João Dornelas, na Rádio educadora. Perdemos um sofrível jogador de bola e ganhamos um astro da música.
Como a luta livre estava na estava na moda, com o surgimento do “tele-catch”, Agnaldo chegou a enfrentar o temido lutador Touro Moreno na quadra do Ilusão Esporte Clube em Valadares.
Tornou-se amigo do grande político valadarense Pedro Tassis e já famoso, Timóteo veio do Rio, de ônibus, em razão de problemas de voo, especialmente para participar do velório e do sepultamento do amigo Pedro Tassis, que faleceu em 19 de janeiro de 1995 e o Cemitério de Santo Antônio parou, e não se ouvia um zumbido de mosca sequer, quando o vozeirão do Agnaldo entoou “Professorinha”. do mestre Ataulfo Alves, uma das prediletas do Pedrinho Tassis.
De Valadares para a capital mineira, Agnaldo testava a voz no programa do famoso radialista Aldair Pinto, da Rádio Guarani. Imaginem que Agnaldo Timóteo, com aquele vozeirão, foi gongado no programa do exigente Waldomiro Lobo, da Rádio Guarani.
Mas Agnaldo sentiu um frêmito de “imitar na grandeza a terra em que nasceste”, da estrofe de Olavo Bilac e sentiu que sua Grande Pátria era o Rio de Janeiro. Indicado por Aldair Pinto para se apresentar no célebre programa do César de Alencar, na Rádio Nacional do Rio, como o “Cauby Mineiro”, a partir daí todos conhecem o enredo: o Brasil, maravilhado, quedou-se à potência de sua voz, nos programas da TV Tupi e da Bandeirantes, Flávio Cavalcanti, Silvio Santos, Clube do Bolinha, Raul Gil (a Globo sempre teve implicância pessoal com Agnaldo).
Cantor das multidões e ídolo das massas vendia long-plays no centro do Rio e São Paulo, como um cantor-camelô, algo inédito. Virou um faz de tudo nos maiores centros do país. Em 1972, fez sucesso com a canção “Os Brutos Também Amam”, de Roberto e Erasmo Carlos, e no programa de Silvio Santos, pasme, Agnaldo chegou a
cantar essa música dentro de uma jaula com um leão meio velho e banguelo retirado de um circo, mas o cara que lutou com Touro Moreno lá em Valadares encarou e isso deu muito ibope na época.
Creio interpretar o sentimento de muitos fãs do Agnaldo: a música que realmente o entronizou entre os grandes nomes da MPB foi, “Meu Grito”, composição de Roberto Carlos, e que na voz do Agnaldo encaixou-se como uma luva de veludo, figurando no primeiro lugar do hit-parade nacional.
Enveredou-se pela política e foi deputado federal por São Paulo, e vereador pelo Rio e São Paulo, façanha para poucos.
Meses antes de morrer aos 84 anos, com a saúde agravada pela Covid 19, gravou a música “Epidemia”, um brado lancinante aos céus, clamando por um milagre de Deus pela cura da humanidade. Sua interpretação de “Nossa Senhora” demonstra sua força inabalável na fé.
Na tanatologia, a ciência da morte, alguns animais, como os elefantes, procuram a volta ao seu lugar de origem para morrer. Certamente, Agnaldo Timóteo gostaria de ser sepultado na sua querida Caratinga, no túmulo ao lado de sua mãe Dona Catarina, que fazia questão de visitar no Dia de Finados. Mas dessa vez, esse componente sociológico da tanatologia foi obstado pelo temível coronavírus que sequer permite que se faça a última oração de despedida aos entes queridos.
Mas tanto o pedestal quanto a estátua de Agnaldo, toda em bronze, cinzelada por um Tubalcaim caratinguense, o artista Paulo Motta, sob os auspícios do MAC- Movimento Amigos de Caratinga aí estão para imortalizar seu nome e o forrar de glória, não tivera o próprio Agnaldo a ventura de estar presente na inauguração do seu busto de bronze em agosto de 2011, um dos momentos de maior alegria em toda sua vida.
E então, Agnaldo Timóteo, com suas cinzas sopradas pelos ventos alísios em direção aos céus, simbolizando um apelo a Deus para cuidar de todos nós, certamente estará em espírito sempre na amada Caratinga. Fará como a lua brilhante no céu: voltará para aquele lugar onde nasceu, pois dizem que na terra natal a dor dói menos. E em vindo, agora, aproximar o derradeiro sono, é desejo de toda Caratinga e de todos os seus milhares de fãs espalhados pelo Brasil: tê-lo sereno assim, enluarado e entoando sua voz possante clamando dos céus por nós.
E nesse derradeiro adeus, dedico a ele os versos do poeta Gonzaguinha, na canção “Sangrando” que Agnaldo interpretou com a maestria dos maiores intérpretes da MPB de todos os tempos:
Quando eu soltar a minha voz
Por favor, entenda
é apenas o meu jeito de viver
O que é amar.
E se eu chorar e o sol molhar o meu sorriso
Não se espante, cante que o teu canto é minha
Força pra cantar
Quando eu soltar a minha voz
Por favor entenda
é apenas o meu jeito de viver o que é amar”.
Mauro Bomfim – advogado, jornalista e escritor.