MUNICIPALIZAÇÃO DO ENSINO: Deputada mostra lado negativo do projeto
Projeto polêmico passa pelo crivo de sindicalistas e políticos. Nome de expressão no meio sindical, a deputada estadual Beatriz Cerqueira expõe dúvidas em entrevista exclusiva ao jornal A Semana. Professora, filiada ao PT, a parlamentar tem vasta experiência na militância do Sind-UTE. A deputada preside a Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa e é titular da Comissão de Administração Pública.
A SEMANA – O munícipio assumirá os professores e demais funcionários das escolas estaduais que serão municipalizadas?
BEATRIZ CERQUEIRA – Se o governo municipal aderir ao “Projeto Mãos dadas” do Governo Zema (municipalização das matrículas dos anos iniciais do ensino fundamental), todos os profissionais designados das escolas estaduais atingidas pelo projeto perderão seu posto de trabalho. Significa desemprego. Os servidores efetivos podem ser cedidos por meio de adjunção. Os termos desta adjunção são definidos entre Prefeitura e Governo e, de acordo com a legislação estadual, podem ser revistos.
A SEMANA – O processo de municipalização das escolas estaduais precisa passar por aprovação da Assembleia Legislativa ou pode ser feito apenas em acordo entre o Governo do Estado e as prefeituras?
BEATRIZ CERQUEIRA – Qualquer transferência de matrículas do ensino fundamental que hoje é atendida pela rede estadual para o município precisa de prévia autorização da Câmara Municipal. Isso não se aplica apenas ao “Projeto Mãos Dadas” e, sim, a toda transferência de matrículas. Esta determinação está prevista na Lei Estadual 12.768/98. No caso específico do Projeto “Mãos Dadas”, o governo do estado enviou projeto de lei que está em tramitação na Assembleia. Acho temerário governos municipais aderirem sem legislação estadual que estabeleça os parâmetros do projeto do governo. Temos execução financeira e orçamentária, promessas de doação de prédios, promessas de empréstimos de servidores. É um processo muito complexo, que deveria ter garantias legais para os municípios, o que não tem.
A SEMANA – A quem caberá arcar com os salários e demais benefícios dos professores das escolas que forem municipalizadas?
BEATRIZ CERQUEIRA – Dependerá das negociações entre governo municipal e governo do estado.
A SEMANA – Caso o município passe a ser responsável pelos salários e demais benefícios dos professores das escolas a serem municipalizadas, de onde virão os recursos para esta finalidade?
BEATRIZ CERQUEIRA – O projeto “Mãos Dadas” desconsidera a realidade do município e o impacto permanente que a transferência de matrículas acarretará a ele. Mesmo com a contrapartida financeira que o Estado está oferecendo a cada município, o cenário é de déficit. No caso de Caratinga, por exemplo, o aporte de recursos que a prefeitura terá que fazer será de R$22.243.291,49 no próximo ano. Sobre as responsabilidades de pagamento de pessoal, o município se responsabiliza pelos seus servidores e o Estado por quem é efetivo na rede estadual. O empréstimo de servidores, que acontece por meio de adjunção, é feito em termo próprio assinado entre governo do estado e município. Mas poderá ser revisto, o que por si só já é uma situação de instabilidade. O Estado de Minas Gerais tem cerca de 50% do pessoal da educação em contratação temporária. Ao ceder servidores efetivos para o município, a demanda de contratação poderá aumentar, de modo que governos futuros podem não aceitar mais ceder o servidor.
A SEMANA – Qual a sua opinião quanto à municipalização das escolas do Estado? Quais as possíveis vantagens ou desvantagens resultantes desse processo?
BEATRIZ CERQUEIRA – Não vejo vantagem para os municípios, nem para as comunidades escolares. O único que leva vantagem é o Governo do Estado que está transferindo responsabilidade e despesa para o município. O Estado também é responsável pelo ensino fundamental. Nosso principal gargalo hoje é universalizar o atendimento da educação infantil de modo que todas as crianças de 0 a 5 anos tenham direito a uma vaga na rede pública, em instalações com qualidade, professoras corretamente remuneradas e valorizadas.
Essa deveria ser a prioridade dos governos municipais em parceria com o Governo do Estado. Ao mesmo tempo que o Governo do Estado está transferindo suas responsabilidades, também está entregando a gestão de escola estadual com ensino médio para a iniciativa privada. O próprio projeto de educação profissional que o Estado lançou foi um exemplo disso: não fortaleceu uma rede própria de formação e, sim, as empresas que fazem ensino privado.